quinta-feira, 26 de julho de 2012

Atemporal

Parecia que era um dom, se é que podemos chamar isso de dom, mas ela só se interessava por gente errada. Sempre. Seus amigos eram sempre os mais baderneiros. Os caras por quem se deixava envolver eram sempre cafajestes, muitas vezes até comprometidos. Ela não fazia por mal. Quando dava por si, estava magoando alguém ou sendo, na maioria das vezes, magoada.
Não se deixava a abater por muita coisa. Nunca estendia um sofrimento. Não tinha planos, muito menos sonhos. Uma vez quando pequena, encasquetou que queria ser professora. Ouvia as críticas clássicas, mas dizia sempre pra dentro 'Eu faço o que eu quiser'. Hoje, quando se pega pensando nisso, ri. Talvez fosse essa uma das últimas profissões que escolheria. Não tinha aptidão pra ensinar. Mal tinha pra aprender. 
É muito impaciente, se não está conseguindo entender algo, logo se irrita, acha que nunca vai conseguir. Desiste. Mas depois de um certo tempo acaba voltando atrás e, com calma, que vem ás vezes e não se sabe de onde, termina.
Nunca entendeu como funciona essa coisa de amor. Acha que não se pode amar duas vezes. É uma vez, que é pra sempre, ou uma chance que você desperdiçou. Mas nem por isso parecia que tinha desistido de ser feliz. Talvez porque acreditasse que uma coisa não tinha nada a ver com a outra - Ah o amor, o amor é uma flor roxa- e o resto sub-entende-se.
Acreditava em muitos valores, alguns os quais, ás vezes se esvaíssem de sua essência. Mas ela sabia de onde tinha vindo, o que lhe faltava era saber para onde estava indo. 
Ficavam nela umas marcas, como se fossem tatuagens, irreversíveis, cada vez que passava por cima daquilo que achava certo. E sempre que 'pecava' era por diversão. Não sei se as marcas podem ser chamadas de arrependimento. Se arrepender parece algo de que se tem remissão. Mas, embora não se pudesse apagar, não ficava exposto, não precisaria conviver constantemente com aquilo. Como explicar? É assim: é tipo um truma, uma lembrança, que você tem, que nunca vai esquecer ou apagar, mas que no dia-a-dia ou no calor da rotina, não são lembrados, ou vem a tona. Mas nada de escandaloso havia acontecido. Antes eram 'coisas de criança' agora são 'coisas da idade'. Parece fácil, mas vai chegar uma idade em que isso vai perder o sentido. E por falar em rotina, como adorava as rotinas. Odiava ouvir que 'navegar é preciso senão, a rotina te cansa', nada lhe pareceria cansar mais do que o 'navegar'. Como tinha preguiça de mudanças. E não era medo não, era preguiça mesmo. Se pudesse, ficava sentada em uma outra dimensão vendo a repetição dos seus dias-após-dias acontecer. Sem tirar nem por. Ela era normal, com um 'quê' de gente louca. Que as vezes falava mais alto que o de costume. Que as vezes tratava as pessoas sem um pingo de sentimento. Coisa de gente que sabe sempre com quem está lidando. E que quando se decepciona, acaba consquentemente se decepcionando consigo mesma, por ter estado errada. Cobra-se sempre, mas tão em vão que parece uma piada. 
Aliás, seu grande forte é usar sempre uma piada quando é preciso falar sério. Há quem se irrite, quem talvez não mereça conviver com ela. Há quem sorria desista então de se enfurecer com essa menina.


Nenhum comentário:

Postar um comentário